Nesta edição, o jornal diocesano Em Foco, tem a grata satisfação de lhes apresentar, em entrevista exclusiva, nosso 6º Bispo Diocesano: Dom Devair Araújo da Fonseca. Nomeado no último dia 11 de novembro de 2020, tomará posse na Diocese de Piracicaba no dia 16 de janeiro de 2021, às 9h30, em Piracicaba, no Ginásio Municipal de Esportes “Waldemar Blatkauskas” (ao lado do Estádio do XV de Piracicaba). Dom Devair nasceu no dia 1 de fevereiro de 1968, na cidade de Franca (SP).
Em Foco: Dom Devair, é com grande estima e alegria que lhe entrevistamos nesta edição do peródico diocesano. Iniciemos esta entrevista pedindo que se apresente para os(as) diocesanos(as). Conte-nos um pouco de sua história e família.
Dom Devair: Antes do seminário considero que tive uma vida “normal”, com meus planos, estudos e trabalho. Tenho 52 anos e sou filho único. Estudei, trabalhei, e vivia o cotidiano de um jovem com projetos e planos de vida.
Em Foco: Como foi a experiência de trabalhar, estudar antes de ingressar no seminário diocesano em Franca?
Dom Devair: Sim, eu trabalhei na indústria de calçados em Franca, o que é muito comum na cidade; ali foi meu primeiro emprego. Depois eu trabalhei numa instituição financeira, agência bancária, por quase três anos. Tinha objetivos a serem alcançados e projetos de uma pessoa comum.
Em Foco: O chamado para a vida sacerdotal se deu quando? E como foi essa mudança em seu projeto de vida?
Dom Devair: Ao final do meu curso universitário, senti o chamado da parte de Deus e procurei a orientação vocacional, e no ano seguinte ingressei no seminário. Isso era em 1991, quando procurei uma orientação. Não tinha nenhuma participação na Igreja, diferente de alguns perfis vocacionais, que nascem de dentro da Igreja, porque já estão ali inseridos numa comunidade. E a mudança se dá exatamente ali, conhecer a Igreja, visto que não era engajado na comunidade. Em 1992 já estava entrando no Seminário Maior “Nossa Senhora do Patrocínio”, em Franca.
Eu não tive uma infância dentro da Igreja, nunca fui coroinha ou acólito, e não era de ir à missa. Minha vocação é uma vocação adulta; considero assim porque já tinha 23 anos quando nasceu aquilo que chamo de experiência de Deus mesmo, porque não era muito envolvido na comunidade em minha adolescência. Trabalhei um tempo na Igreja, me engajando na rotina de uma comunidade.
Me lembro bem a primeira vez que celebrei a Semana Santa na qual participei profundamente das celebrações, e foi maravilhoso; já havia participado de algumas celebrações, mas ao celebrar o conjunto de todas as celebrações foi uma experiência importante em minha vida. Esse caminho que se inicia no Domingo de Ramos, o Tríduo Pascal (Quinta-Feira Santa, Sexta-Feira Santa, e o Sábado Santo) e o Domingo da Ressurreição do Senhor na Páscoa, me marcou muito a partir daí.
Em Foco: Então não tem idade para se sentir chamado para o serviço da Igreja?
Dom Devair: Eu acredito que não. Não há uma idade limite para se sentir chamado; é claro que precisamos discernir aquilo que é conveniente ou não. A partir de minha experiência eu vejo que o chamado de Deus é um chamado livre, e não há fórmula pronta, que tem um jeito. No seminário sempre me questionei a respeito disso, quando ouvia as outras experiências vocacionais dos seminaristas, que brincavam desde criança celebrando missa, ou que sentiam o desejo de ser padre desde sua infância na comunidade. No meu caso não foi assim, nunca senti isso na minha infância.
A vocação é um ato totalmente livre, não é posse nossa. O chamado de Deus é o encontro de duas vontades, a vontade de Deus que nos chama, e a nossa vontade de ir ao encontro e responder àquilo que Deus nos pede.
Em Foco: Em seu itinerário pastoral, o sr. foi formador e reitor. Hoje, qual a importância do acompanhamento vocacional dos jovens?
Dom Devair: É fundamental o acompanhamento dos jovens. A Igreja sempre se ocupa em acompanhar aqueles que aspiram à vida sacerdotal, e também para conhecer as motivações dos que chegam ao seminário, porque pode acontecer que a motivação seja uma forma de ascender como a um status; seria a verificação da sinceridade da vocação. Verificar ainda o equilíbrio psíquico e emocional dos vocacionados à vida sacerdotal, para não haver problemas futuros na vida do jovem e na Igreja. É um processo de acompanhamento.
É um conjunto que oferece elementos para conhecer e entender as condições de autenticidade da vocação, na certeza de que é Deus que chama, e é preciso esse discernimento. É necessário sempre saber disso; é Deus que chama, mas esse chamado passa pelo discernimento e confirmação da Igreja, que através dos reitores e do bispo, no final de um processo de acompanhamento de formação, se chega à uma ordenação sacerdotal. Pelo que vemos no mundo hoje se torna essencial esse acompanhamento sério das pessoas que são candidatos ao seminário e depois durante o processo formativo, porque não podemos brincar com a vida das pessoas, e muito menos podemos errar com a vida dos formandos. Mesmo quando se faz uma dispensa de um seminarista, que está nesse processo, temos de compreender que isso é feito pelo bem da pessoa, o que pode acontecer é não haver condições de levar adiante esse percurso formativo, pois haverá certamente dificuldades para viver o ministério sacerdotal. Por isso é sempre chamado de Deus e discernimento da Igreja.
Em Foco: Antes de ser nomeado pelo Papa Francisco como 6º bispo da Diocese de Piracicaba o sr. atuou como bispo auxiliar por quase seis anos da Arquidiocese de São Paulo, na Região Episcopal Brasilândia, região norte da cidade de São Paulo. Como é esta realidade de Pastoral Urbana que o sr. viveu na maior cidade da América Latina?
Dom Devair: Quando fui nomeado para a Arquidiocese de São Paulo, como eu disse não tinha nenhum conhecimento da cidade de São Paulo. Chegar a esta realidade foi uma grande surpresa, porque não tinha muita ideia dessas realidades pastorais e das regiões pastorais da arquidiocese. Fui tendo contato com as realidades, e digo que era muito diferente daquela que havia experimentado em Franca. Fui muito feliz na região pastoral de Brasilândia, mesmo sem conhecer a realidade, mas disponível para realizar o serviço de pastoreio nesta região. Os compromissos e a presença foram intensos. Dificuldades encontramos em todo lugar, mas com a graça de Deus vamos em frente e tudo se encaminha.
Em Foco: Na Arquidiocese de São Paulo o sr. era também o responsável pelo Vicariato Episcopal para a Pastoral da Comunicação. Conte-nos um pouco desta experiência da
Comunicação associada à Pastoral Urbana, temas tão atuais e necessários para a ação evangelizadora em nosso país.
Dom Devair: Primeiro eu fui convidado para trabalhar na Comissão de Comunicação Nacional da CNBB, por dom Darci José Nicioli (Arcebispo de Diamantina), em 2016, quando aconteceu sua eleição para a comunicação. Comecei a trabalhar na comunicação, embora minha formação fosse na área da tecnologia e informática. Comecei até com um pouco de curiosidade nessa área de comunicação. Na Arquidiocese de São Paulo é bem interessante esse trabalho, porque aqui nós temos os maiores meios de comunicação do país: TVs, Jornais, Rádios, e isso é muito próximo de nós. Uma das coisas que eu fiz no início foi visitar os principais meios de comunicação da cidade com o secretário da pastoral de comunicação de São Paulo, e também visitar outras instituições fora da cidade de São Paulo para conhecer um pouco desta realidade.
A arquidiocese tem dois grandes meios de comunicação, a Rádio 9 de Julho e o Jornal O São Paulo, além do portal que é a comunicação institucional oficial. Foi uma experiência magnífica, porque tudo que acontece em São Paulo vira notícia, e muitas coisas que não acontecem acabam chegando até aqui; muitas vezes recebemos comunicados reclamações de outros estados do Brasil, fora da jurisdição da arquidiocese pelo e-mail institucional. É interessante perceber a expressão que São Paulo tem em nível nacional. Os meios de comunicação sempre fazem solicitação para entrevistas, para dar uma palavra e outras contribuições; assim fui me envolvendo com essa realidade e me interessando pelo tema.
Em Foco: Neste tempo de pandemia, os meios de comunicação, principalmente as mídias digitais, foram fundamentais para que a Igreja permanecesse próxima dos corações dos cristãos católicos. A Igreja Doméstica conectada é essencial. O que o sr. pensa deste movimento após a pandemia?
Dom Devair: Durante a pandemia vimos a importância da comunicação. A Arquidiocese passa por um processo sinodal, que se iniciou em 2017, quando foi convocado. Celebramos o Sínodo em 2017, 2018 e 2019; ele deveria encerrar-se agora em 2020. E uma das coisas que percebemos através de um questionário aplicado na cidade de São Paulo foi a importância da comunicação e, ao mesmo tempo, o desconhecimento dos meios de comunicação da Arquidiocese. Com a pandemia, a comunicação, a Pastoral da Comunicação (Pascom) e os agentes desta pastoral se viram diante de uma nova realidade, quando as Igrejas não puderam mais realizar as celebrações presencialmente, e isso é algo que precisamos frisar muito, praticamente todas as paróquias da Arquidiocese começaram a realizar transmissões e, junto com essas transmissões também começaram a transmitir outros conteúdos além das missas. Os padres mesmos tiveram essa iniciativa de utilizarem as redes sociais para encontros, para falar com o seu povo, celebrando outros momentos além da Santa Missa, catequese. Criou-se uma proximidade e as pessoas começaram a acompanhar os canais das paróquias; é algo muito interessante.
Eu acho que a pandemia trouxe para nós esse conhecimento da importância do que são as redes sociais, e eu acredito que nós temos que continuar a incentivar isso; com a volta das celebrações presenciais não podemos desconsiderar a continuidade das transmissões, mas ter consciência que essas ferramentas ainda deverão ser bem utilizadas, principalmente como meios de evangelização.
Em Foco: Quando o sr. recebeu a notícia de que seria o 6º bispo da Diocese de Piracicaba? Como foi?
Dom Devair: Nós tínhamos tido uma reunião dos bispos no período da manhã de uma segunda-feira. Cheguei em casa e eu tinha uma série de coisas para encaminhar e recebi um telefonema do encarregado da Nunciatura de que o Papa Francisco havia me transferido da Arquidiocese. E dentro de todo esse contexto que estamos vivendo, seja a pandemia ou atividades na Arquidiocese, sobretudo o Sínodo que está encerrando, nem passava pela minha cabeça algo assim; não nesse momento. Eu pedi um tempo para pensar; não para verificar se queria ou não, se eu gostaria ou não de onde estavam me designando, se era bom ou ruim, mas por deferência ao Cardeal, e o procurei para uma conversa e, na sexta-feira daquela mesma semana, eu liguei e dei minha resposta. Nunca disse não para um pedido da Igreja. No exercício da nossa função devemos ser obedientes, principalmente quando o pedido vem do sucessor de São Pedro, o Papa Francisco. Eu aceitei com muita alegria o convite, este chamado para ser o 6º Bispo Diocesano de Piracicaba.
Em Foco: Em sua carta ao clero e aos fiéis da Diocese de Piracicaba, o sr. inicia com a frase “Ele nos envia e aponta os caminhos” e cita o seu lema episcopal “Eleitos e Santos
em Cristo”. Como o seu lema se refletirá na ação pastoral e no pastoreio de nossa diocese?
Dom Devair: Olha, é uma coisa que muitos me perguntam: se eu já pesquisei sobre a diocese, quem são as pessoas, qual é a tradição… Bom, não é meu costume, assim como fiz em São Paulo, não fiz nenhuma pesquisa anterior a respeito da cidade. Eu chego, tenho meu jeito de ser e de fazer as coisas. Deus tem um propósito e um caminho, e nós precisamos fazer esse caminho e conhecer esse propósito. O caminho de Deus se entende caminhando, dia a dia, passo a passo; com o tempo se conhece a realidade. Alguns podem dizer do risco de errar. O erro é algo que pode acontecer, mas se erramos podemos voltar atrás; não é um problema. O que não pode é ficar planejando todas as coisas como se tudo fosse causa, ou resultado de nossa capacidade ou inteligência. A ação de Deus é sempre primeira; é Deus quem sempre toma a iniciativa, a prerrogativa. O protagonismo não é nosso, e não é dos leigos; o protagonismo é de Cristo; é de Deus. Na história, o protagonismo é de Deus e nós vamos respondendo à medida que as coisas acontecem.